domingo, 2 de agosto de 2009

Capítulo 6 - Toninho Horta

Como eu dizia no capítulo anterior, finalmente saímos de 1997 e adentramos ao (não menos importante) ano de 1998, quando o "império do samba" se instalou no Villaggio, perdurando até 2003.
Realmente, o resgate do samba de raiz - por suas conseqüências no atual "show business" nacional - talvez seja o capítulo mais importante da história do bar. Mas ainda não será desta vez que vou falar de dele. Antes, preciso deixar registrado que 98 foi o ano em que nosso palco recebeu um dos maiores músicos do mundo. Um brasileiro, mineiro; respeitado e idolatrado por músicos dos cinco continentes e - claro - pouco prestigiado por aqui. Um cara que criou uma música própria, um estilo inimitável de harmonizar e tocar violão e guitarra; que achou caminhos musicais absolutamente personais, únicos.

Um gênio - ainda que esta palavra esteja um tanto desgastada.

Estou falando de Antonio Maurício Horta de Mello. O Toninho Horta. Pra alguns, o "Tuninho".

Engraçado é que eu mesmo, até então, tinha pouco conhecimento da sua espetacular carreira e obra. Lembrava-me das canções gravadas pelo Boca Livre, como Diana e Pedra da Lua; do CD "Minas" com Beijo Partido - antológica na voz do Milton; e, claro, de Manuel, o Audaz - com Lô Borges, hit dos tempos de cursinho. Do Toninho, mesmo, tocando e cantando, não conhecia quase nada (pois é, quem mandou ficar 17 anos enterrado no Banco do Brasil?...).

Foi a Daisy Cordeiro (sempre ela) quem levou ao Villaggio o primeiro CD dele que ouvi: "Durango Kid", um apanhado de canções próprias, voz-e-violão. Era o volume 1, o de capa branca, e me deixou tão maluco que logo pedi prum músico amigo que estava vindo de Nova Iorque (alô Rogério Botter Maio!) trazer o vol.2 (o pretinho), já que no Brasil - coisa incrível - não se achava.

Dali em diante comecei a ir atrás de tudo que existia do homem, cada vez mais fascinado por aquele som diferente, intrincado, envolvente e hipnotizante.

Mas, é engraçado como as coisas se encaminham quando a gente quer algo. Como alguém já disse, "o Universo conspira a favor". Num fim-de-noite comum, me aparece no Villaggio o músico Carlinhos Antunes. Ao seu lado, quem? Ele mesmo, Toninho Horta!

Mal pude acreditar. Tranqüilo, conheceu o espaço, bebeu algo e foi-se embora. Antes, trocamos os contatos e, um tempo depois, ele me escreveu de Belo Horizonte pedindo um favor. Em outra oportunidade, após um show no Memorial da América Latina, ele e o Flávio Venturini aceitaram nosso convite e foram jantar no bar.

Aos poucos, fomos estreitando a amizade e, em abril de 1998, ele topou fazer um show no Villaggio, aproveitando uma vinda a SP - e graças aos esforços da Rozana junto à sua produtora (grande Vilma) pra que tudo desse certo. Ah, sim: também graças ao apoio de um amigo comum, o produtor João Samuel, de Igarapava.

Sim, porque não existe no mundo artista mais enrolado com agendas, datas, vôos e horários que o Toninho. É uma verdadeira loucura acertar todos os ponteiros. Mas sempre vale a pena.

Voltemos ao show. Numa das noites mais lotadas da nossa história, com 90 pessoas se apertando onde cabem 70, tinha gente atrás do balcão, de pé junto às paredes, sentada no chão ao lado do palco, uma confusão danada. Toninho suou a camisa - literalmente -, mas - como sempre - fez uma apresentação generosa e empolgada. Quase duas horas de show, aplaudido a todo instante. Delírio total.Não conseguiria, aqui, dizer tudo o que significou essa noite pra gente. Mas posso garantir que ele avalizou o Villaggio, definitivamente, como um núcleo de alto gabarito musical no circuito alternativo mundial. Nosso espaço virou, para muitos, "o bar onde tocou o Toninho Horta" - e isso já diz muito.

Em duas outras oportunidades, quando a agenda permitiu, retornou e repetiu tudo de novo.

Ficamos amigos: uma noite dormiram no sofá e na rede do meu pequeno apartamento ele e seus dois filhos, Manuel e Luiza, até dar o horário do primeiro vôo que os levaria para BH. Quando fizemos o CD do Villaggio, ele liberou na hora - coisa rara - uma gravação que fiz do primeiro show para o disco. Tá lá.

Outro privilégio: em 2004, levei-o pra tocar em São Sebastião, dentro do projeto Maré MPB e, numa agradável conversa de fim-de-tarde na piscina do hotel, vista pro mar e pra Ilhabela, entabulamos, despretensiosamente, a gravação de um CD duplo, com boa parte da sua obra e músicas inéditas. Projeto ambicioso e caro, o disco - de fato - até hoje não saiu. Mas acabei ganhando um presente que muita gente daria uma fortuna pra ter: por conta desse possível CD, Toninho, na manhã seguinte, entrou num estudiozinho meia-boca da cidade pra registrar várias canções até hoje inéditas, exclusivamente pra mim. Ninguém no mundo tem isso, só eu e ele. E não dou, nem empresto...

Por tudo isso, ele merece este capítulo exclusivo. E muito mais. Valeu, "Tuninho"!! Sua música já me "salvou" várias vezes. Nos vemos por aí, brother.

Em 1998, além do samba, também recebemos outros grandes nomes, como Arismar do Espírito Santo, Vicente Barreto, Adilson Godoy, Miriam Mirah, Sizão Machado, Celso Pixinga, Thomas Roth, Billy Blanco, enfim, dezenas de grandes artistas, além de outro show antológico: Guinga com os músicos da Banda Mantiqueira: Proveta, Walmir Gil e François de Lima.Mais uma noite inscrita na nossa história, que emprestou também uma faixa para o CD "Villaggio Café-10 anos".

No próximo capítulo: como o Villaggio transformou São Paulo, de túmulo, na nova capital do samba. Sem exagero.

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