segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Capítulo 10 - O fim

"O Villaggio é daqueles lugares que ficarão no imaginário do público, como um Zicartola da vida, um lugar quase mítico." (Zeca Baleiro)

E aqui vamos nós para o derradeiro capítulo. Em todos os sentidos.

Sim, pois - ainda que forçosamente - a saga se encerra em definitivo.

Dia 29 de agosto de 2009 foi o último dia de funcionamento do Villaggio Café, após exatos 17 anos, 2 meses e 12 dias de vida. Uma noite iluminada, com casa absolutamente lotada de amigos, repleta de energia positiva e calor humano. Inesquecível e emocionante.

Quando digo forçosamente, na verdade, não estou sendo totalmente verdadeiro. Houve, sim, uma razão prática, técnica por assim dizer: o imóvel onde estávamos instalados (e mais três vizinhos) foi comprado por uma dessas incorporadoras, que vai demolir tudo e construir ali um edifício.
Sabíamos disso desde o último janeiro e, de lá pra cá, foram grandes os esforços para ficar o máximo de tempo possível, envolvendo advogados de ambas as partes e negociações diversas. Conseguimos esticar ao máximo, mas, diante da possibilidade de uma disputa judicial desgastante e, mais do que isso, incerta, capitulamos.

O que poucos sabiam é que eu já vinha pensando em parar, mesmo. No final do ano passado, até colocamos o ponto à venda.

Pode parecer estranho, mas depois da mudança para Pinheiros muita coisa aconteceu pelo meu lado pessoal. Questões familiares, econômicas e profissionais resultaram num intenso desejo de mudar de rumos e de ares. Depois de 24 anos por aqui, eu estava muito cansado de várias coisas, mas que poderiam se resumir a duas: esgotamento com as mazelas de São Paulo (em especial, o trânsito) e com o trabalho noturno. Além de um certo desencanto com os caminhos que, há anos, vem tomando a música brasileira - da maneira que eu considerava interessante para dirigir minha vida.

Juntou-se a isso o saco cheio com as perseguições que os bares vêm sofrendo nos últimos anos: fim da consumação mínima, pressão do PSIU, Lei Seca e, recentemente, Lei Anti-Fumo. Dono de bar está virando bandido, o grande bode expiatório dos problemas nacionais. É muito difícil sobreviver trabalhando sob tanta pressão.

Bom, mas essas questões particulares ficam pruma outra hora. A verdade é que, se por um lado eu brigava para segurar o Villaggio por mais tempo, por outro não conseguia disfarçar um certo alívio ao ver que a história do bar estava para se encerrar - e eu não seria o grande vilão disso.

Fato consumado, havia - claro - a possibilidade de se tentar prosseguir em outro local. Descartei. Não senti a mínima motivação para encarar a parada, pouco mais de um ano depois da trabalheira que foi sair do Bixiga para Pinheiros. Procurar ponto, reformar, investir, divulgar esperar o espaço "pegar"... Tudo novamente? Ufa! Sem chance, parei.

Aliás, saber a hora de parar é fundamental na vida.

E a realidade foi que acabou o Villaggio Café.

Abro um parênteses pra falar um pouco sobre a experiência em Pinheiros.

Foram 16 meses de grande satisfação. A sociedade com o Vlado Lima foi tranquila, acabamos virando amigos pessoais e irmãos de fé. A agenda andou sem grandes problemas, os shows rolaram normalmente e o público - até onde sei - aprovou a mudança. Com mais espaço de salão e palco, além de uma cozinha melhor equipada, pudemos trabalhar com mais efetividade e o faturamento aumentou cerca de 50%. Ótimo.O restaurante não deu certo, um pouco por falta de experiência nossa, outro pela baixa capacidade de investimento.

Um capítulo importante aqui foi, claro, a parceria com o Clube Caiubi de Compositores, ocupando todas as segundas com grande sucesso e bons resultados em geral. Mais do que parceiros, desenvolvemos laços de amizade sincera e as duas partes acabaram ganhando com a visibilidade trocada. Do Caiubi veio também o evento mensal Sopa de Letrinhas, criado e dirigido pelo Vlado, que acabou virando hit da imprensa, pintando em diversas matérias em cadernos de cultura.Muito legal tudo o que veio dos caiubistas. Sorte e sucesso pra eles.

Enfim, o Villaggio em Pinheiros deu pé. A casa fechou com estilo: grade de shows completa e disputada como sempre, bom de público e de renda.Mas o mais interessante, acredito, foi ter conseguido manter a marca além do espaço físico. Depois de mais de 16 anos atrelado ao bairro do Bixiga, ao arriscar mudar de endereço o Villaggio Café provou ser uma grife, que extrapolava a situação física das suas dependências. Isso, a meu ver, foi uma grande conquista, prova de que o conceito é que se solidificou.

Tanto que, acredito, tenha capacidade de até retornar um dia. Quem sabe? O futuro a Deus pertence, é o que o povo diz.

Como tal hipótese não está sendo considerada no momento, o que fica aqui é um enorme agradecimento a todos que estiveram ao nosso lado nesses anos todos.

Estou de mudança para São José dos Campos, a uma hora de SP e um pouquinho mais da minha São Sebastião. De longe, ficarei torcendo para o sucesso de todo mundo e curtindo a memória de tantas noites inesquecíveis.

Encerro dizendo que a sensação é de realização total e de "missão cumprida".

Valeu gente; muito obrigado por tudo e um grande abraço!

domingo, 2 de agosto de 2009

Capítulo 9 - Bixiga, adeus; Pinheiros, o futuro.

Um momento histórico para o Villaggio: prestes a completar 16 anos de existência, sempre no Bixiga, mudamos de endereço. Já falo disso. Antes, um pequeno resumo do que foram os dois últimos anos na Praça Dom Orione.

Sem dúvida, o fato mais relevante nesse período foi a dissolução da minha sociedade com a Rozana Lima. Basicamente, por dois motivos: o primeiro foi seu desejo de sair da vida noturna pra poder se dedicar ao pequeno Lorenzo, então com seis anos, da maneira mais adequada. O segundo era sua clara intenção de procurar novos horizontes profissionais.

Por outro lado, com minha saída da gravadora Lua, em agosto de 2006, eu precisava ter uma "base" pra poder retomar a carreira de produtor e, claro, não havia nada mais indicado do que me concentrar no Villaggio e sua imensa capacidade de gerar fatos - e contatos.

Com isso, fizemos um acordo e eu comprei a parte dela, ficando como único dono a partir de janeiro de 2007.

No decorrer do ano, algumas mudanças. Estéticas: pintura nova, cenário e nova iluminação de palco; administrativas: uniforme da equipe, cardápio ajustado; tecnólogicas: nova localização de mesa de som, micro com internet, TV a cabo, e software de caixa, telão de alta definição e mais alguns equipamentos básicos; artísticas: novos projetos com parceiros, como o Domingo Instrumental, Segunda Teatral, Domingo Dois LL e Revelando Estrelas, além da temporada do Proveta e sua turma; marketeiras: fotoblog do Villaggio, Recado do Zé na Newsletter, cadastramento de e-mails no próprio bar - e mais um monte de coisas novas.

Funcionou. A casa ganhou ares novos e um certa sobrevida para chegar aos 15 anos com pique ainda, apesar do desgaste normal que decorre de estar há tanto tempo num mesmo lugar - e numa mesma estrutura.

Novos artistas foram se incorporando, alguns projetos deram certo, outros não, mas a imagem que a casa passou ao mercado foi de que estava firme no propósito de se reestruturar e se atualizar.

E assim veio vindo até janeiro deste ano, quando surgiu a possibilidade da mudança.

Na verdade, tudo começou com a inauguração de um novo bar aqui ao lado da minha casa, na Rua Teodoro Sampaio, em setembro de 2006. O já denominado "Vila Teodoro" tinha como sócio o bom e velho Mauro Dias, jornalista e crítico músical, amigo de longa data. Seus parceiros eram o Henrique Barros e o Vlado Lima, do Clube Caiubi de Compositores, que nesse novo endereço fincou sua bandeira às segundas.

Pois bem, às segundas o Villaggio não abria, e, do lado da minha casa (um minuto, a pé)...não teve jeito, virei freqüentador regular.

Sempre achei o espaço muito interessante: uma casa antiga na sobreloja de um imóvel comercial num dos pontos mais movimentados de São Paulo. Com clima de vila (daí o nome), mostrou-se um ambiente muito agradável e promissor.

Infelizmente, o projeto não deu os resultados esperados e a sociedade se desfez, ficando somente o Vlado à frente. Em janeiro, como eu disse, meu telefone tocou. Era ele, fazendo um convite que mais tinha cara de proposta: queria que eu cuidasse da agenda musical do Vila Teodoro, na paralela com a do Villaggio, já que ele confessava não ter condições para tal.

Uns meses atrás háviamos falado - informalmente, num fim-de-noite regado à muita cerveja - da possibilidade de uma sociedade. Como os sócios ainda estavam em fase de ruptura, eu achei prudente dar um tempo e cuidar só do Villaggio. Diante do novo convite dele, lembrei-me disso, e de repente a idéia explodiu de forma incontrolável: porque não trazer logo o Villaggio Café para Pinheiros???? Juntar nossa história, nosso background, nossa relação com centenas de músicos, artistas, jornalistas, etc. a um imóvel maior e melhor localizado?

Ora, tava na cara que era uma boa idéia.

Falei isso tudo pro Vlado e, em resumo, ele topou. A partir daí foram três meses de negociações, considerações, análises, contatos e soluções de problemas antigos entre os três sócios- que acabou por se desfazer por completo. E fechamos a nova sociedade em partes iguais: Luiz Soares e Vlado Lima.

Estamos em reforma desde o início de abril, uma grande correria.
Com isso, o Villaggio Café vai mesmo mudar de endereço. A partir da próxima sexta, dia 02 de maio, estreamos em Pinheiros, na Rua Teodoro Sampaio, 1229 - fechando o ponto no Bixiga.

O novo Villaggio, além da melhor estrutura e localização, vem com mais novidades: happy-hour e restaurante-executivo. Tá ficando bem legal, bonito e aconchegante.

Pra melhorar, o retorno do meio artístico em geral e da clientela diante da novidade tem sido ótimo, para não dizer eufórico. É como se todo mundo estivesse torcendo pra gente dar um passo maior, crescer e trazer todo mundo junto.

Estamos muito felizes e otimistas com essa nova perspectiva. Vamos em frente!

No próximo capítulo, os primeiros passos em Pinheiros.

Capítulo 8 - Grandes nomes e revelações.

Já falei sobre o início, os primeiros shows, as reformas, o choro aos domingos, a escalada do sucesso; sobre Filó, Toninho Horta, Guinga; sobre a Rádio Musical, projetos Cadê a MPB e o maravilhoso resgate do samba. Vamos ver então o que ainda falta.

No último capítulo, eu dizia que, nos anos em que o samba apareceu bastante, os outros gêneros não deixarem de ser programados. De fato, ao lado dos shows quinzenais de fim-de-semana e das rodas em outros dias, a gente continuou abrindo espaço pra todo mundo. Firmamos nossa grade com apresentações de terça a domingo, todas as semanas, todos os meses. Um verdadeiro recorde, que continua até hoje.

Poderia citar aqui vários nomes que subiram ao nosso palco nesses anos todos, correndo o risco evidente de esquecer muita gente boa. Aliás, já tive vários problemas em fazer esse tipo de lista, alguém sempre se sente desprestigiado, mas não posso deixar de fazê-las - nem também me adentrar em pesquisas intermináveis pra tentar incluir tantos nomes. Nem caberiam, e seria enfadonho para escrever e para ler.

Uma idéia seria separar por estado, começando, por exemplo, por Minas. Puxando pela memória: Toninho Horta, Paulinho Pedra Azul, Tavito, Túlio Mourão, Sérgio Santos, Nelson Angelo, Telo Borges, Affonsinho, Marku Ribas, Tadeu Franco.
Baianos? Capinan, Xangai, Roberto Mendes, Vicente Barreto, Gerônimo, Gereba, Nelson Rufino, Péri, Moisés Santana, Ione Papas, Hélio Braz.
Do Rio, off-samba-de-raiz? Aldir Blanc, Billy Blanco, Fátima Guedes, Jards Macalé, Carlos Dafé, Ivor Lancelotti, Marisa Gatta Mansa, Paulinho Tapajós, Guinga.
E os paulistas: Jean e Paulo Garfunkel, Alzira Espíndola, Maurício Pereira, Alaíde Costa, Oswaldinho Vianna, Miriam Mirah, Léa Freire, Arismar do Espírito Santo...
Não dá, é uma lista sem fim.

Registro, no entanto, as revelações, pelo menos as que lembrar. Revelar gente boa é talvez o melhor legado que o Villaggio Café deixe para as gerações futuras. Poucos sabem que foi em nosso palco que muita gente deu seus primeiros e regulares passos. Não só fazendo "seu primeiro show", mas atuando com certa freqüência e adquirindo maturidade musical, experiência e segurança de palco.

Cito alguns casos que tenho certeza de que foram os primeiros shows mesmo: o compositor Kléber Albuquerque, as cantoras, Juliana Amaral, que hoje lança seu segundo CD pela gravadora Lua e Bruna Caram, destaque dos cadernos culturais do momento.
Em abril de 1996, Zeca Baleiro já era parceiro de Chico César, mas atuava esporadicamente em bares como o extinto Sanja. Fomos atrás dele, marcamos e conseguimos uma bela foto na Folha. Por coincidência, a partir dos dois shows que fez no Villaggio sua carreira começou a decolar. Chico César já tocava na rádio Musical em 1995, mas - é uma impressão minha - seu show no Villaggio pode ser considerado um dos que fez parte da sua trajetória inicial, muitos clientes falam dessa noite até hoje.

Yamandú Costa ainda assinava Diamandú e era freqüentador discreto da casa em 1998, e eu - já ouvindo buxixos sobre seu talento - o convidei pra fazer seu primeiro show "oficial" em 1999, com divulgação na imprensa etc. e tal (tenho esse show gravado). Lembro-me que fui buscá-lo em casa e convidei, com pouco sucesso, um monte de músicos pra assistir.
Mais cantoras? Ceumar tinha recém-chegado de Minas, acho que em 1996. Apareceu no Villaggio, nos deslumbrou, e tocava às quartas-feiras. Consuelo de Paula ainda se chamava Maria Consuelo quando pediu uma temporada às quintas-feiras, pra testar repertório e público. Fabiana Cozza não sei se foi o primeiro, mas lembro-me que era desconhecida quando fez vários shows conosco, em 2000 e 2001. Ana Luisa, prêmio de melhor intérprete no Festival da Cultura há dois anos, era assídua do Villaggio no final da década de 1990. Fernanda Porto foi por mim convidada quando poucos sabiam quem era, saiu no Guia da Folha e tudo. Lembro-me ainda das (hoje) aclamadas Giana Viscardi (que também foi destaque no Guia, com foto e resenha do Carlos Callado) e Verônica Ferriani trazendo seus CDs demos e pedindo uma data para mostrar seu trabalho (prontamente atendidas, diga-se).

Chico Saraiva, vencedor do Prêmio Visa, fez diversas vezes nosso palco um laboratório para suas experiências com platéia. Assim como Fred Martins, outro ganhador do mesmo prêmio, pisou num palco em São Paulo pela primeira vez em 2001 - no Villaggio. Mais um vencedor (assim como o Yamandú), Renato Braz, nos prestigiava desde 1994.
Jorge Vercilo cantou para oito pessoas numa sexta-feira, acho que em 1998 ou 99. Lembro-me que mandei um bilhetinho pra ele mostrar suas composições diante da insistência em fazer "covers". Espantado, perguntou ao microfone: "mas...eu posso?". Minha resposta: "rapaz, se tem algum lugar que você pode, é aqui".
Já falei do Quinteto em Branco e Preto, que começou a aparecer e se firmou conosco quando ainda se chamava Café com Leite. Do pessoal do samba, foram vários casos: Wilson das Neves foi convencido por mim a mostrar seu primeiro e magistral CD acompanhado por um grupo de samba, já que a formação do disco era inviável financeiramente naquele momento (baixo, batera, piano, etc.); Tia Surica, como também já foi dito aqui, arriscou seu show-solo inaugural com a gente; Diogo Nogueira, Marquinhos de Oswaldo Cruz, Áurea Maria, Dorina, Bira da Vila, Luiza Dionísio, Serginho Meriti e os grupos Produto do Morro, Samba Raro, Filhos de São Mateus, T.Kaçula...foram muitos que surgiram em São Paulo no Villaggio.

Houve muito mais casos. Mas, até pela quantidade de nomes e as dificuldades de mercado que todos conhecem, infelizmente muitos deles não tiveram a mesma sorte. De qualquer forma, o espaço foi aberto igual e democraticamente.

E ainda hoje é assim. Graças a Deus, o tempo todo, somos procurados por gente nova e talentosa.
E, enquanto der, pretendemos continuar com esse gratificante trabalho, movido a puro idealismo e prazer.

Em frente. No próximo capítulo, creio que o último desta série, falarei sobre os anos recentes até o momento atual - e sobre as perspectivas futuras.

Capítulo 7 - O Império do Samba

Segundo semestre de 1997. Até então não rolava quase nada de samba no Villaggio, até porque nosso conhecimento na área era reduzido. No meu caso, se restringia a uma certa memória afetiva, recordações de rádios AM cariocas que pegavam em São Sebastião na década de 1970, tipo Tupi e Mundial; Cristina Buarque estreando com “Quantas Lágrimas”, Beth Carvalho com “1800 Colinas”, Roberto Ribeiro com “Estrela de Madureira”, Clara Nunes e sua fase candomblé e, mais pra trás ainda, alguns discos do Martinho que meu pai tinha, com as clássicas “Casa de Bamba” e “Pequeno Burguês”, entre outras. Lembrava também de alguns sambas-enredo famosos, como “Macunaíma” e “Os Sertões”. Mas tudo isso era coisa da minha infância e adolescência; na juventude ouvi de tudo, menos samba. A Rozana também conhecia pouco sobre o assunto, estávamos no mesmo nível de desinformação.

Um belo dia li na Folha que o (hoje extinto) bar Boca da Noite iria trazer "um tal de" Nelson Sargento, veterano compositor da Mangueira, que na ocasião era tema de um curta-metragem recém-premiado no Festival de Gramado. Curioso que sou, na primeira oportunidade perguntei ao seu proprietário, meu amigo e sambista Wilson Sucena, como tinha sido. Razoável de público, disse ele, mas deu mídia. E Nelson Sargento era Nelson Sargento. Ah, é?...OK, informação registrada.

Na mesma época, um carioca da gema chamado João Paulo, marido de outra carioca da gemíssima, a Cidinha - hoje sócios da casa de samba paulistana Traço de União -, fazia regularmente seu happy-hour no Villaggio. Numa dessas oportunidades, comentou que era ligado ao pessoal do samba do Rio, que já havia sido dono de bar lá, etc. e tal. Mais adiante, vendo nossa vocação para produtores de show, perguntou se não havia interesse em trazer novamente o Nelson pra São Paulo, pois o mesmo era amigo pessoal deles e a hospedagem estaria garantida. Eles também me ajudariam a montar um grupo para acompanhá-lo, coisa e tal. Enfim, fariam todo o meio-de-campo necessário.

Por uma dessas coincidências do destino, na mesma época, um dos filhos do saudoso Zé Ketti nos procurou para tentar agendar um show do pai, que já não andava nada bem de saúde, mas precisava – coisas do Brasil – trabalhar para sobreviver.

Bingo. Tava na cara que a oportunidade era única. Marcamos as duas apresentações com apenas duas semanas de intervalo, e deu certo: o Guia da Folha deu destaque com foto, comentários elogiosos e o escambau. Sucesso de crítica e de público.


A partir dali começamos nossa escalada do samba, praticamente do zero. Por alguma razão inexplicável, havia um vácuo no "show-business sambístico". Fora uma ou outra roda em bares, uma ou outra apresentação esporádica em Sescs, não existia um circuito regular, uma agenda com os grandes mestres em São Paulo. E, por incrível que pareça, no Rio também não; se não me engano, só rolava show num bar em São Cristóvão chamado Casa da Mãe Joana, no Candongueiro em Niterói (uma vez por mês...) e nas rodas esporádicas do Bip-Bip, em Copacabana.

Os produtores não se conheciam, a internet ainda estava no começo, a mídia não tinha muito o que falar. Os mestres passavam por dificuldades, não tinham onde trabalhar.

A gente percebeu isso e resolveu criar um projeto de samba, que no início iria se chamar "Mitos do Samba", mas que no fim ficou sem nome mesmo.

Luiz Carlos da Vila, mesmo vencedor no Carnaval com a Vila Isabel, dois discos lançados pela Velas (na época, ainda idealista) e matéria na Veja (graças a um jornalista boêmio que trabalhava lá e frequentou o Villaggio por muito tempo, o hoje sumido Júlio César Barros), não era conhecido por aqui. Quando ele, de passagem, deu algumas canjas com o pessoal do choro no domingo, é que a gente percebeu a sua importância e talento. Com o sucesso dos dois primeiros shows, arriscamos o terceiro, em janeiro de 1998: ele mesmo, Luiz Carlos da Vila. Alguém da Comunidade Negra resolveu aproveitar a data pra entregar uma medalha a ele, e nessa noite o Villaggio simplesmente bateu o recorde de público da sua história. Lembro-me bem, a casa parecia uma panela de pressão, uma verdadeira epifania! Depois disso, ninguém nos segurou mais. Na seqüência, apareceu o Carmo, hoje produtor conhecido, com o material do Nei Lopes e do Noca da Portela, querendo agendá-los. Nessa época eu, já amigo do Moacyr Luz e produzindo seu antológico CD Mandingueiro (Dablíú, 1998), volta e meia ia ao Rio e me hospedava na sua casa, recebendo preciosas dicas de “quem era quem” nos bastidores do samba carioca, nas rodas e botequins. Com isso, nos sentimos seguros pra marcar o Nei - em maio, e o Noca - em julho. Mais sucesso e casa lotada. Em maio também trouxemos o Walter Alfaiate, que havia sido contratado, na verdade, pelo Sesc Ipiranga (uma batalha...), mas lá só deu 30 pessoas - e no Villaggio voltou gente... Começamos a ganhar prestígio e chamar a atenção da imprensa. Em média, duas vezes por mês a gente trazia alguém do Rio – de ônibus, diga-se, com hospedagem em hotéis pra lá de modestos. Como a coisa estava parada por lá, o sambista que vinha a SP, ao retornar, comentava com outro, e - de repente - estávamos sendo procurados por todos. Não existia a Lapa carioca como é hoje, apenas um ou outro barzinho. Lembro-me do Semente (cuja "crooner" era a hoje a estrela Teresa Cristina) e do Coisa da Antiga, misto de bar e antiquário; mas tudo muito devagar ainda.

Certo dia, buscando nomes, lembrei-me de "um tal de" Monarco (vejam só...), guardado numa gaveta da minha memória; a Rô foi atrás e descobriu o homem, que não pisava em São Paulo havia sete anos. Trouxemos a fera, montamos um grupo com a ajuda do Carlinhos do Cavaco e a Folha deu matéria com foto (aliás, bem antiga, tirada de arquivo, já que imagem recente não existia) assinada pelo respeitado crítico musical Pedro Alexandre Sanches, o que despertou a curiosidade geral. Outra loucura, duas noites de casa lotadaça, e de emoções à flor da pele diante das histórias contadas, ao vivo e em cores, pelo mitológico líder da Velha Guarda da Portela. Numa dessas “montagens de banda”, buscando viabilizar financeiramente o projeto, não me lembro quem (acho que o Carmo) sugeriu um grupo novo, de uns meninos novinhos, ainda na base do guaraná - dois irmãos negros e três irmãos brancos, talentosíssimos - que se conheceram no Boca da Noite e ainda se chamavam grupo Café com Leite. Topamos, eles tocaram com o Noca e foram muito bem. Ainda completamente desconhecidos, aceitaram nosso cachê reduzido, certamente sacando que ali estava seu futuro. Na mosca: aos poucos, se tornaram o “grupo acompanhante oficial” do Villaggio, onde tocaram por quase cinco anos, direto. A cada show, a cada noite, eu chamava um-a-um, antes do artista principal, e falava seus nomes até que o publico os decorasse: “Magno, Maurílio, Ivison, Éverson e Vitor Hugo!”. Na seqüência, passaram a acompanhar todos os mestres em shows em outros locais, principalmente Sescs. Hoje esses eternos (pra nós) meninos são conhecidos no Brasil inteiro como Quinteto em Branco e Preto. Em setembro, ainda de 98, com uma ajuda providencial do Moacyr Luz, tivemos a sorte grande de receber em nosso palco a maravilhosa Dona Ivone Lara, o que nos obrigou a abrir as portas da casa e pôr gente assistindo na mesas da calçada, tamanha a quantidade de público. Mais um grande salto. E, assim, fomos trazendo quase todo mundo do Rio: Délcio Carvalho, Mauro Diniz, Marquinhos de Oswaldo Cruz, Wilson Moreira, Jair do Cavaquinho, Wilson das Neves (seu primeiro show- solo), Guilherme de Brito - há 10 anos sem pisar aqui - e o inédito Casquinha da Portela (cujos discos eu produzi com o Moacyr Luz na então Lua Discos), Dorina, Zé Luiz do Império, David do Pandeiro, Jair do Cavaquinho, Xangô da Mangueira (outro então desaparecido da capital), Camunguelo (há 18 anos sem vir a SP). Mais no final, novidades como Serginho Meriti, Bandeira Brasil e Tantinho da Mangueira. Luiz Carlos (que ganhou o apelido de Luiz Carlos "do Villaggio") e Moacyr Luz voltaram várias vezes; Nelson Sargento e Walter Alfaiate também; Monarco, idem. Sugestão da querida Roberta Valente, lançamos a Tia Surica como artista-solo (nem no Rio isso tinha acontecido) e, no embalo, também outra pastora da Portela, Áurea Maria. De São Paulo, trouxemos Germano Mathias, Luizinho SP, Carlinhos do Cavaco, Nei Silva (o homem da Aba do meu Chapéu), Paqüera, Chapinha e tantos outros. E tome matéria no Estadão, na Folha, destaque na Vejinha. O Villaggio brilhava!

Na esteira do sucesso do Quinteto, vários novos grupos começaram a nos procurar, prontamente atendidos: Produto do Morro, Samba Raro, Samba Autêntico, Filhos de São Mateus, Passado de Glória, enfim, tantos que nem dá pra lembrar. Todos eles passaram a existir graças ao projeto de samba do Villaggio Café.

Outro fato importante a ser registrado: na apertada platéia, com mesa reservada de véspera, sem perceber estávamos formando um público pra lá de seleto, sério formador de opinião. Ao lado de jornalistas, produtores, outros sambistas e simples fãs, sentavam-se os hoje donos de renomadas casas de samba da paulicéia: Germano Fehr, João Paulo e Cidinha do Traço de União; Cícero, do Salve Simpatia e depois Bar Samba; Fernando Szegeri, do Ó do Borogodó; Paqüera e Edvaldo do bar hoje ao lado da praça Roosevelt, que não sei o nome (absolutamente lotado aos sábados). Na época, eram apenas - assíduos - clientes do Villaggio. Cada um formou uma idéia na cabeça e arriscou voar “solo”. Daí, sem dúvida, nasceu o atual “boom” de samba em São Paulo: das casas noturnas abertas por nossos clientes. E quem não concordar, que prove o contrário. No Villaggio surgiu, também o projeto Samba da Vela, do encontro do Quinteto com o Paqüera, Chapinha e Edvaldo Galdino, que é forte até hoje, e conhecido em todo o Brasil.

E mais: conforme relatos vindos lá da Baía da Guanabara, no calor da “onda” e motivado pelo diz-que-diz dos sambistas, na mesma época abriu no Rio o bar “Carioca da Gema” - que impulsionou a nova Lapa de lá. Ora, se em São Paulo o samba estava dando dinheiro, porque no Rio - seu berço - não? Depois dele, dezenas de casas foram inauguradas e hoje o gênero domina – e ilumina, como nunca, a noite carioca.

Em março de 1999, eu a Rô fomos co-produtores do espetáculo “Esquina Carioca”, realizado pelo bar Pirajá e pela Brahma e que botou 1.200 pessoas no Tom Brasil. No palco, Moacyr Luz, Luiz Carlos da Vila, Walter Alfaiate, Dona Ivone, Beth Carvalho e João Nogueira - na sua despedida. O “Esquina”, nas suas duas primeiras edições, ajudou a ferver o caldo de vez e colocar o samba “de raiz” de volta ao seu lugar: o Olimpo.

Sites como o “Samba-Choro” (que também começou em 1997) espalhavam as notícias pela Net e “linkavam”, pela primeira vez, as pessoas no Brasil inteiro. O mundo estava mudando e nada mais seria como antes. Melhor pra gente: na contramão do pagodão mauriçola, de coisas como Negritude Jr. e Só Pra Contrariar em seu auge, o “tsunami do samba” não tinha mais como ser contido.

Foi uma época maravilhosa e inesquecível, que mudou a vida de muita gente. Hoje, no Rio, São Paulo, Belo Horizonte, Florianópolis, Campinas, em dezenas de grandes cidades existem locais e projetos de samba, e, especialmente aqui na paulicéia, a coisa bombou. Mas, paradoxalmente, com essa explosão toda, depois de quase sete anos de trabalho incessante, nosso projeto começou a perder fôlego. O público - por uma curiosidade natural - passou a procurar as novas casas, maiores e mais - digamos assim - “dançantes”, em bairros da moda. Os sambistas – diante da nova realidade do mercado - deixaram de topar nossas modestas condições de infra-estrutura e, claro, financeiras. A mídia começou a dar seus espaços não só para as casas maiores, mas também para a rede Sesc, que começava a se ampliar fortemente e - evidente - não podia ficar de fora da onda. E tome samba em Sescs, teatros, Comunidade da Vela, parques, ruas. Tudo que era lugar passou a ter pandeiro, surdo e tamborim.

Com a sensação do dever cumprido e, ao mesmo tempo vendo o público se dispersar, aos poucos fomos perdendo o interesse e a motivação, e decidimos reduzir paulatinamente as atrações do gênero, até chegar praticamente a zero, como no início. Não valia a pena insistir, bancar shows com casa quase vazia, já que a galera, de fato, queria se expandir para além do nosso pequeno espaço.

Felizmente, nesses anos, não deixamos o bar se transformar num reduto de samba, o que talvez fosse o nosso fim. Prudentes, continuamos com os outros estilos nos demais dias e mantivemos nossos contatos com o meio em geral. A casa sempre foi de “música brasileira”, em todas as suas vertentes, e não perdeu essa cara, até porque eu e a Rozana gostamos dos demais estilos com a mesma intensidade. Sendo música boa - e brasileira - estamos dentro.

Hoje, no Villaggio, são raras as apresentações de samba. Volta e meia somos procurados por saudosistas - sambistas e produtores que se queixam de que, apesar da tal explosão, o foco hoje é o puro entretenimento, nada de papo cultural. Samba virou balada; o espaços são grandes, mas o público não se interessa pelos artistas, quer mais é saber de dançar, beber e paquerar. No Villaggio nunca foi assim, dizem. E a gente concorda. Lá o público bebia - e muito - mas sentadinho. Aplaudia após cada música, cantava junto, se emocionava, reverenciava os mestres, elegia seus ídolos, comprava CDs. Aprendia sambas novos e relembrava os antigos.

Tudo mudou. A massificação, pra variar, matou a espontaneidade, cerceou o talento, calou o sambista legítimo. Nos grandes palcos, tanto faz pra moçada se está o genial Luiz Carlos da Vila, o Noca ou o Zé da Esquina. O que menos importa é o samba ou o seu compositor.

Pra piorar o quadro, alguns dos grandes mestres compositores já nos deixaram: Zé Kétti, Guilherme de Brito, Argemiro, Jair do Cavaquinho, João Nogueira. E, salvo um Moacyr Luz aqui ou um Luiz Carlos ali - nem tão jovens assim -, e promessas como Wanderley Monteiro, Marquinhos de Oswaldo Cruz e Bira da Vila, a necessária renovação ainda não veio. E, pelo que se vê por aí, está difícil de vir.

De qualquer forma, a história está escrita: o Villaggio Café deu samba, sim senhor! E seremos felizes para sempre - ponto final.

Nesses anos todos nem tudo foi batucada. Tem mais história, claro; mas isso fica pro próximo capítulo...

Capítulo 6 - Toninho Horta

Como eu dizia no capítulo anterior, finalmente saímos de 1997 e adentramos ao (não menos importante) ano de 1998, quando o "império do samba" se instalou no Villaggio, perdurando até 2003.
Realmente, o resgate do samba de raiz - por suas conseqüências no atual "show business" nacional - talvez seja o capítulo mais importante da história do bar. Mas ainda não será desta vez que vou falar de dele. Antes, preciso deixar registrado que 98 foi o ano em que nosso palco recebeu um dos maiores músicos do mundo. Um brasileiro, mineiro; respeitado e idolatrado por músicos dos cinco continentes e - claro - pouco prestigiado por aqui. Um cara que criou uma música própria, um estilo inimitável de harmonizar e tocar violão e guitarra; que achou caminhos musicais absolutamente personais, únicos.

Um gênio - ainda que esta palavra esteja um tanto desgastada.

Estou falando de Antonio Maurício Horta de Mello. O Toninho Horta. Pra alguns, o "Tuninho".

Engraçado é que eu mesmo, até então, tinha pouco conhecimento da sua espetacular carreira e obra. Lembrava-me das canções gravadas pelo Boca Livre, como Diana e Pedra da Lua; do CD "Minas" com Beijo Partido - antológica na voz do Milton; e, claro, de Manuel, o Audaz - com Lô Borges, hit dos tempos de cursinho. Do Toninho, mesmo, tocando e cantando, não conhecia quase nada (pois é, quem mandou ficar 17 anos enterrado no Banco do Brasil?...).

Foi a Daisy Cordeiro (sempre ela) quem levou ao Villaggio o primeiro CD dele que ouvi: "Durango Kid", um apanhado de canções próprias, voz-e-violão. Era o volume 1, o de capa branca, e me deixou tão maluco que logo pedi prum músico amigo que estava vindo de Nova Iorque (alô Rogério Botter Maio!) trazer o vol.2 (o pretinho), já que no Brasil - coisa incrível - não se achava.

Dali em diante comecei a ir atrás de tudo que existia do homem, cada vez mais fascinado por aquele som diferente, intrincado, envolvente e hipnotizante.

Mas, é engraçado como as coisas se encaminham quando a gente quer algo. Como alguém já disse, "o Universo conspira a favor". Num fim-de-noite comum, me aparece no Villaggio o músico Carlinhos Antunes. Ao seu lado, quem? Ele mesmo, Toninho Horta!

Mal pude acreditar. Tranqüilo, conheceu o espaço, bebeu algo e foi-se embora. Antes, trocamos os contatos e, um tempo depois, ele me escreveu de Belo Horizonte pedindo um favor. Em outra oportunidade, após um show no Memorial da América Latina, ele e o Flávio Venturini aceitaram nosso convite e foram jantar no bar.

Aos poucos, fomos estreitando a amizade e, em abril de 1998, ele topou fazer um show no Villaggio, aproveitando uma vinda a SP - e graças aos esforços da Rozana junto à sua produtora (grande Vilma) pra que tudo desse certo. Ah, sim: também graças ao apoio de um amigo comum, o produtor João Samuel, de Igarapava.

Sim, porque não existe no mundo artista mais enrolado com agendas, datas, vôos e horários que o Toninho. É uma verdadeira loucura acertar todos os ponteiros. Mas sempre vale a pena.

Voltemos ao show. Numa das noites mais lotadas da nossa história, com 90 pessoas se apertando onde cabem 70, tinha gente atrás do balcão, de pé junto às paredes, sentada no chão ao lado do palco, uma confusão danada. Toninho suou a camisa - literalmente -, mas - como sempre - fez uma apresentação generosa e empolgada. Quase duas horas de show, aplaudido a todo instante. Delírio total.Não conseguiria, aqui, dizer tudo o que significou essa noite pra gente. Mas posso garantir que ele avalizou o Villaggio, definitivamente, como um núcleo de alto gabarito musical no circuito alternativo mundial. Nosso espaço virou, para muitos, "o bar onde tocou o Toninho Horta" - e isso já diz muito.

Em duas outras oportunidades, quando a agenda permitiu, retornou e repetiu tudo de novo.

Ficamos amigos: uma noite dormiram no sofá e na rede do meu pequeno apartamento ele e seus dois filhos, Manuel e Luiza, até dar o horário do primeiro vôo que os levaria para BH. Quando fizemos o CD do Villaggio, ele liberou na hora - coisa rara - uma gravação que fiz do primeiro show para o disco. Tá lá.

Outro privilégio: em 2004, levei-o pra tocar em São Sebastião, dentro do projeto Maré MPB e, numa agradável conversa de fim-de-tarde na piscina do hotel, vista pro mar e pra Ilhabela, entabulamos, despretensiosamente, a gravação de um CD duplo, com boa parte da sua obra e músicas inéditas. Projeto ambicioso e caro, o disco - de fato - até hoje não saiu. Mas acabei ganhando um presente que muita gente daria uma fortuna pra ter: por conta desse possível CD, Toninho, na manhã seguinte, entrou num estudiozinho meia-boca da cidade pra registrar várias canções até hoje inéditas, exclusivamente pra mim. Ninguém no mundo tem isso, só eu e ele. E não dou, nem empresto...

Por tudo isso, ele merece este capítulo exclusivo. E muito mais. Valeu, "Tuninho"!! Sua música já me "salvou" várias vezes. Nos vemos por aí, brother.

Em 1998, além do samba, também recebemos outros grandes nomes, como Arismar do Espírito Santo, Vicente Barreto, Adilson Godoy, Miriam Mirah, Sizão Machado, Celso Pixinga, Thomas Roth, Billy Blanco, enfim, dezenas de grandes artistas, além de outro show antológico: Guinga com os músicos da Banda Mantiqueira: Proveta, Walmir Gil e François de Lima.Mais uma noite inscrita na nossa história, que emprestou também uma faixa para o CD "Villaggio Café-10 anos".

No próximo capítulo: como o Villaggio transformou São Paulo, de túmulo, na nova capital do samba. Sem exagero.

Capítulo 5 - A parceria com a Rádio Musical FM

Não tenho bem certeza, mas acho que foi no mês de março. O ano, eu sei que foi 1997. Voltava de viagem, numa segunda-feira à noite, quando, ao sintonizar a rádio Musical FM na estrada, já perto de SP, comecei a ouvir um programa de entrevistas chamado Boa Safra. Comandado pela jornalista Miriam Ramos, durava uma hora e trazia, toda semana, dois artistas chamados "alternativos" que, em blocos diferentes, falavam sobre seu trabalho e mostravam faixas de seus discos.

Naquele exato momento, tive a idéia de propor uma espécie de parceria Villaggio-Boa Safra, obviamente sem poder pagar nada, mas - quem sabe - na base da permuta com nosso cardápio, já que a Musical era vizinha do bar.

Deu certo, e o Villaggio passou a ser o primeiro (e único) apoiador do programa. Muito pela identificação que a Miriam teve com nosso trabalho, de apostar na MPB alternativa e nos novos (ou esquecidos) talentos. E também pela grande afinidade pessoal que surgiu, imediatamente, entre a gente.

Foi mais uma "virada" na história do bar: durante muito tempo o slogan "Programa Boa Safra. Apoio: Villaggio Café, o lugar certo da MPB em São Paulo" foi ao ar, em diversos horários, numa época em que a Musical era o maior e melhor espaço de MPB na mídia radiofônica em São Paulo e, por tabela, no Brasil. Com uma proposta inovadora, cara de rádio grande, locutores e vinhetas modernas, promoções, bom sinal e áudio e bom alcance, marcou época no meio musical, sendo a responsável pelo lançamento de nomes como Zélia Duncan e Chico César, entre outros.

Com a Musical bombando, o Villaggio também aumentou sua visibilidade. Além disso, a parceria previa que artistas que fizessem shows na casa tivessem - uma vez por mês - espaço assegurado no Boa Safra para entrevista. Com isso tudo, passamos a ser mais procurados do que nunca, e isso facilitou o trabalho de fazer uma grade mais extensa, com shows a semana inteira.

Algum tempo depois, a Miriam saiu da Musical e levou seu programa, sem que outra emissora abraçasse o projeto. Continuamos mais um tempo lá graças à (querida) Tânia do departamento comercial, mas em 1999 a rádio foi vendida para um grupo evangélico, deixando uma lacuna na cena musical alternativa que nunca mais foi preenchida. Eu, inclusive, sou adepto da teoria de que o fim da Musical fechou a última grande porta da mídia para a boa MPB no Brasil. De lá pra cá, as coisas só pioraram.

Continuando, com a ajuda da emissora, foram muitos nomes em 1997. Para ilustrar: Fátima Guedes, Túlio Mourão, Capinan, Daniel Gonzaga, Nelson Angelo, Simone Guimarães, Claudette Soares, Laura Finnochiaro, Edvaldo Santana, Luli & Lucina - e por aí foi.

Em dezembro, fizemos uma homenagem ao letrista Costa Netto, recebendo em nosso palco seus parceiros e intérpretes, como Roberto Menescal, Walter Franco, Eduardo Gudin, Vânia Bastos, Vicente Barreto, Daisy Cordeiro, Tutti Baê, Márcia Salomon e muitos outros. Noite inesquecível.Uma curiosidade: o Thomas Roth - que eu ainda não conhecia - também participou, e, provavelmente nessa data, com o início da nossa amizade, começou a nascer a gravadora Lua Discos (depois, Lua Music).

Um pouco antes, em outubro, tínhamos feito uma bela parceria com a gravadora Dabliú - do mesmo Costa Netto - para a primeira edição do projeto "Cadê a MPB?", quando, em duas semanas, apresentamos os artistas do cast da gravadora. Nomes como Kléber Albuquerque, Juca Novaes & Eduardo Santana, Cássio Gava, Silvana Stiévano, Carlos Navas, Élio Camalle, Madan, Antonio Farinaci, Lucila Novaes, entre outros. O "Cadê.." gerou grande espaço na mídia impressa, e teve reedição em 1998, com outros nomes.

1997 foi também o ano em que foram dados os primeiros passos para mais uma das nossas "viradas": o ressurgimento do samba carioca, em São Paulo e - pasmem - até no Rio. Em julho, o compositor Moacyr Luz fez sua primeira apresentação no Villaggio e, ainda que não tivesse se tornado um sambista em tempo integral como é hoje, já dava claros sinais de que isso seria uma questão de tempo. "Moa" se tornou nosso grande amigo e trouxe inspirados - e definitivos - ares cariocas ao bar. Por outros caminhos e coincidências, realizamos, no final desse ano, nossos dois primeiros grandes shows de samba, com duas lendas nacionais: Nelson Sargento (obrigado, João Paulo e Cidinha) e Zé Ketti (este já dava "canjas" regulares nas rodas de choro dominicais), com matéria no Guia da Folha e tudo.

O samba deu a tônica na casa nos seis anos seguintes, mas...isso fica pro próximo capítulo, quando finalmente sairemos deste longo 1997 - que consumiu dois posts inteiros - e viraremos o calendário.

Capítulo 4 - Filó Machado e o fim da adolescência

Eu estava partindo para minhas férias na praia, no verão de 1996/97, quando a Rô me contou que tinha fechado com o Filó uma temporada de 08 shows, nas terças e quartas de janeiro. Fiquei entre surpreso e feliz, pois, mesmo não o conhecendo pessoalmente, tinha as melhores informações sobre suas performances no lendário bar Boca da Noite, na década de 1980. Filó estava retornando da França, onde havia morado nos últimos cinco anos, e queria fazer uma mini-temporada num lugar fixo, com alguma divulgação na imprensa, para que pudesse reencontrar seus fãs e amigos. Pra nossa sorte, escolheu o Villaggio, muito pela localização no seu bairro do coração: o Bixiga.

Então tá, vamo que vamo!... Na passagem de som, a senha: nada de voz e violão. A acompanhá-lo, nada menos que quatro músicos: Dinan Machado na guitarra (e vocais), Miriam Bauer no baixo (e vocais também), Fábio Canella na bateria, e seu filho Vitor no teclado. Ele, Filó, na outra guitarra e voz. Muito bom, mas...como colocá-los num palco de 1 x 2 m? Simples: metade no palco, metade no chão.

O resultado, ainda que acidentalmente, foi que aquela formação passava a dar outra cara ao bar - e um outro peso artístico. Era como se saíssemos da adolescência pra fase adulta. E assim foi: a cada noite, mais gente - a maioria músicos. Um contava pro outro, e antes da primeira série acabar já estávamos fechando a segunda, com mais 08 shows.Foram dois meses mágicos: Filó com a corda toda, relembrando sucessos e trazendo músicas e arranjos novos; a rapaziada tocando com a maior garra, e sempre tinha uma canja diferente. Virou um acontecimento na cena musical alternativa paulistana e jogou, definitivamente, o Villaggio na boca do meio artístico. 1997 sempre será um ano inesquecível pra gente: a partir do Filó, decidimos aumentar o espaço do salão, quebrar o (já citado) balcão, aumentar o palco, fazer tratamento acústico, enfim, mergulhamos de cabeça. Depois disso, ele virou "da casa", e até hoje se apresenta regularmente em nosso palco. De quebra, deu-me a honra de gravar e lançar dois belos discos pela Lua: Porto Seguro, em 2001, e Tom Brasileiro, em 2005.

O ano ainda reservava novidades. Os shows continuavam a pleno vapor nos demais dias da semana, e a gente continuava atrás de gente legal e diferenciada. Nomes como Léa Freire (retomando conosco sua carreira, depois de muitos anos afastada), Sérgio Santos, Eudes Fraga, Jarbas Mariz, irmãos Garfunkel, Zezé Freitas, Michel Freidenson, Maria Martha - e tantos outros - realizaram espetáculos inesquecíveis. Em início de carreira, Moisés Santana, Kléber Albuquerque, Élio Camalle, Gigi Trujillo, Fabiana Cozza e - pasmem - até o (então) desconhecido Jorge Vercilo fizeram seus primeiros shows no Villaggio.

Muito desses contatos, é preciso que fique registrado, foram possíveis graças à ajuda da nossa querida amiga (e grande cantora) , Daisy Cordeiro, que não se cansou - nunca - de recomendar a gente para todos os artistas que conhecia - e conhece. A Daisynha foi figura fundamental pro Villaggio, e vai ter nosso carinho eterno.

Em junho trouxemos o ex-Boca Livre Claudio Nucci para nossa festa de cinco anos. Casa superlotada, emoção total. Com ele, o conselho para que investíssemos num som mais profissional, pois com o nível artístico subindo, a exigência também aumentaria. Aquilo mexeu com a gente: ele estava certo, e, pouco tempo depois, fizemos um "mega" financiamento pelo Sebrae e compramos um sistema completo, tudo importado, das melhores marcas. Tão bom que, fora a mesa que já foi trocada, o restante até hoje funciona perfeitamente. Valeu o investimento.

Ah, sim: um pouco antes, em abril, tinha ocorrido outra virada: a parceria com a Rádio Musical FM, através da doce Miriam Ramos e seu antológico programa Boa Safra.

E, em julho, outro grande momento: nossa amizade com o compositor carioca Moacyr Luz.

Mas, isso tudo fica pro próximo capítulo.

Capítulo 3 - A grande mudança

Em 1994, alguma coisa se transformava naquele pequeno café do Bixiga. Mesmo com música ao vivo, o movimento continuava fraco e, nessa época, meus sócios originais, João Ricardo e Beto, já não queriam mais ter a obrigação de vir ao bar. Realmente, vida noturna não era a deles . Isso acabou resultando na venda de suas "partes" pra mim, no meio do ano (com prestações a perder de vista). Como os dois tinham amizade com a Rozana, minha atual sócia, pagavam-na do bolso para substituí-los na gerência noturna, rodiziando comigo nas noites em que eu tinha que estar no meu outro bar.

Quem conhece a Rô sabe do seu inconformismo com situações adversas, e da sua enorme energia e vivacidade. Não deu outra: numa fria noite de sexta-feira (dia em que tínhamos mais público) ela armou uma apresentação do cantor Toninho Nascimento - que atualmente é regular freqüentador do Raul Gil - com uma outra cara. Nada das chamadas "entradas" - como são chamados os períodos de 45 min que os músicos fazem nos bares, retornando após 15 min de intervalo. A idéia era dar um clima de "show", sem intervalos; algo mais ritualístico, mais magnético.

Ela agitou. Fez divulgação junto aos clientes habituées, telefonemas, cartazes, etc.

E funcionou: graças a essa iniciativa, nascia - sem sabermos - a "casa de shows Villaggio Café" - ainda um pequeno embrião do que viria pela frente.

Aos poucos, esse projeto foi crescendo, passando a se chamar "Sexta-Especial" e a ter uma programação definida antecipadamente. Fomos atrás de novos nomes: Yvette Matos, Renato Braz, Mário Gil, alguns músicos do extinto bar Boca da Noite com trabalho próprio, e por aí afora.

Durante a semana mantivemos os músicos da casa: Izabêh, Cacá, Maurício Lyra, Ione Papas e Ronaldo Rayol, Élio Camalle e, acabando de chegar de Minas, Ceumar (ela mesma). Além do chorinho de domingo à tarde e sábado à noite - claro.
A dupla Ione Papas & Ronaldo Rayol nasceu no Villaggio, e até hoje faz sucesso

Desde 1993, a gente contava com o competentíssimo Moisés Santana na assessoria de imprensa, parceria que durou por muitos anos. E eu, em casa, havia montado um cadastro de clientes para mandar a programação pelo correio, já que e-mail ainda era uma coisa que quase ninguém tinha. Criava o folheto no computador, bem feitinho, com fotos escaneadas, letras bacanas - coisa fina -, xerocava e postava. Fazia também cartazes bem legais pra colar na porta de entrada e paredes.

Com essa nova fase, tivemos que reformar o Villaggio. O balcão antigo resistiu por mais um tempo, mas em fevereiro de 95 construímos o palco - que era um pouco menor (ainda... ) do que é hoje - e, em fevereiro de 96, o modesto - mas aconchegante - camarim, coisa que nenhuma casa pequena tinha, e que foi uma idéia da Rô, após assistir um show do Elomar no saudoso Armazém do amigo Oswaldinho Viana. Ela viu o mestre num cantinho, esperando a hora de entrar no palco, e percebeu o quanto era importante um espaço privativo para os artistas dentro de uma estrutura de bar. Topei a idéia, a arquiteta e cantora Maria Bonafé bolou o projeto e transformamos uma parte do depósito no camarim que existe até hoje. Os artistas adoraram aquilo - que passou a ser um diferencial do Villaggio Café, e continua sendo.

Paulatinamente, fomos investindo em equipamentos de som: uma mesa nova aqui, alguns microfones ali, caixas melhores. Mas não tínhamos capital para vôos maiores, era tudo nacional ainda. O importante era que funcionava, e a gente passava nossa boa intenção para os músicos.

Todo esse envolvimento com música, no dia-a-dia, mexeu com nossas vidas. Sem perceber, havíamos sido "picados" pela mosca do "show-business". Num caminho sem volta, a cada semana a gente pensava num nome novo. Pesquisava, saía na noite pra conhecer gente, corria atrás. Aos poucos, fomos pegando "cancha", e os artistas nos conhecendo.

Em 17 de junho de 95, aniversário de 3 anos do Villaggio, trouxemos o nome mais conhecido que até então tinha pisado em nosso recém-criado palco: Lula Barboza. Até pela novidade junto aos clientes, sucesso estrondoso.

Por coincidência (será?...), foi nessa mesma data meu último dia como funcionário do Banco do Brasil, após 17 anos de carreira. Pedi demissão para trabalhar exclusivamente com música (ê, coragem!...).

E não paramos com nossas sextas-feiras: vieram Maria Alcina, Evaldo Gouveia, Zé Luiz Mazziotti, Milton Edilberto, Dayse do Banjo, Zérró Santos, Daisy Cordeiro, Jica y Turcão, Paulinho Nogueira, e muitos outros.
O Villaggio Café passava a ser conhecido em São Paulo. Chico César, despontando na Rádio Musical, se apresentou para a casa lotada no final de 95. Em 96, trouxemos o então desconhecido Zeca Baleiro por duas oportunidades, despertando nossa vocação para lançar novos talentos. E não paramos mais.

Foi, realmente, uma época estimulante. O contato com o meio artístico se revelou uma grande novidade em nossas vidas, já que nunca havíamos mexido com isso. Abriu nossas mentes, aumentou nossa sensibilidade, criou perspectivas, trouxe novos relacionamentos. Um mundo novo, sem dúvida.

Nessa época, todos os shows, via-de-regra, seguiam o formato voz-e-violão, até pelo tamanho do palco. Mas, novamente - como uma sina - algo iria se transformar. Mais exatamente em janeiro de 1997, com a temporada de Filó Machado - recém-chegado da França, onde vivia - e sua "imensa" banda de quatro músicos.

Mas isso fica pro próximo capítulo.